Boa noite a todas, todos e todes.
Me chamo Maria da Conceição
Correia Pereira ( Concita) sou
psicóloga e venho, nos últimos anos, atuando em Pernambuco na interface entre a
Psicologia da Aviação, a Gestão Integral do Risco, as Emergências e os
Desastres psicologia Clinica infanto juvenil e de envelhecimento. E´ no campo da
Gestão do Risco integral e da emergência e desastres que observa-se como marcado por desigualdades, sofrimento
coletivo e ausência de decisões públicas
eficazes que fui percebendo o quanto o direito à vida digna é, muitas
vezes, o primeiro a ser violado quando ocorre um desastre, seja ele
ambiental, social ou de outras ordens
Em todas essas situações, o que está em jogo não
é apenas a resposta técnica, mas a garantia de direitos: o direito ao
cuidado, ao luto respeitado, à saúde física e mental, à moradia segurança à informação adequada, à reparação e à escuta.
Por isso, hoje, ao falar de Direitos Humanos em solo Pernambucano, me coloco não apenas como
profissional, mas como alguém que carrega na prática cotidiana o compromisso
ético- político da Psicologia com a defesa da dignidade humana.
Pernambuco tem sido, ao longo dos
anos, um território de grandes lutas e também de grandes contradições. Relembro
aqui o desastre de Jardim Monte Verde, em 2005, que revelou a vulnerabilidade
estrutural de várias comunidades do Recife. Em 2010, as chuvas devastaram a
Zona da Mata Sul e o Agreste, deixando um rastro de perdas materiais e humanas.
E mais recentemente, em 2022, a região metropolitana do Recife voltou a ser
palco de mortes anunciadas pela falta de ação do poder público e pela omissão
histórica do Estado.
A Psicologia esteve presente
nesses contextos, muitas vezes de forma voluntária, muitas vezes sem o apoio
das políticas públicas. Estivemos ali, porque entendemos que o sofrimento
humano não pode ser medicalizado nem silenciado ele precisa ser escutado, acolhido e, acima de
tudo, compreendido como um fenômeno que exige posicionamento.
A problemática dos direitos humanos em Pernambuco
Falar de Direitos Humanos no
nosso estado é, antes de tudo, olhar para a profunda desigualdade estrutural
que marca o acesso à cidade, à justiça, à educação, à saúde, à terra, à água e
ao trabalho digno.
Em Pernambuco, os direitos são
frequentemente seletivos. As populações negras, periféricas, LGBTQIAPN+,
indígenas, ribeirinhas, pessoas com deficiência e mulheres e crianças seguem
sendo alvo de violações sistemáticas. O racismo ambiental, por exemplo, se
manifesta de forma evidente quando áreas de morro ou de alagamento seguem sendo
ocupadas por falta de alternativas habitacionais e a morte se torna uma probabilidade
cotidiana.
Nesse contexto, a Psicologia
não pode se calar. Somos chamados a intervir em múltiplos espaços: da
clínica ao CRAS, da escola ao sistema prisional, da universidade à rua e em
todos esses lugares precisamos afirmar o compromisso da nossa ciência e
profissão com os direitos humanos.
Os desafios enfrentados pela categoria
profissional da Psicologia
Mas como manter esse compromisso
em meio a tantas contradições?
Nós, profissionais da Psicologia
em Pernambuco, enfrentamos uma série de desafios:
- Contratos de trabalho precarizados
- Ausência de políticas públicas estruturadas
para atuação em emergências
- Sobrecarga emocional em situações de
calamidade
- Falta de formação específica continuada em
direitos humanos e interseccionalidade
- Invisibilização do nosso trabalho em políticas
públicas, especialmente em saúde mental
Além disso, há um risco
recorrente de redução da nossa atuação a uma técnica despolitizada,
descolada do contexto, como se fosse possível escutar sem se implicar, acolher
sem compreender as estruturas de violência, ou cuidar sem questionar o que
produz o sofrimento.
Psicologia não é prática isolada: é projeto
ético e científico de compromisso com os direitos humanos
A Psicologia em Pernambuco
precisa afirmar cada vez mais que nossa
prática não é neutra, não é isolada e não pode se limitar ao individual.
Não há cuidado real que se faça sem olhar para os determinantes sociais, sem
escutar a comunidade, sem se colocar em diálogo com os movimentos sociais e com
os territórios.
Não basta sermos boas técnicas ou
bons clínicos: é preciso perguntar para quem, com quem e a serviço de quê
estamos atuando.
E é aqui que se torna essencial
reafirmar: os direitos humanos não são um “tema a mais” na Psicologia. Eles são
a estrutura sobre a qual a nossa ciência precisa se erguer.
Seja na Psicologia Clínica,
Social, Escolar, Organizacional, Comunitária, Ambiental ou nos contextos de
emergência, todas as psicologias existentes devem ter o compromisso com os
direitos humanos como eixo central.
Como ciência, precisamos
construir evidências que revelem as estruturas que adoecem.
Como prática, precisamos atuar com escuta, com presença e com engajamento nos
territórios.
Como categoria profissional, precisamos ampliar nossa voz nos espaços de
controle social e de formulação de políticas públicas.
Caminhos possíveis de engajamento: onde
fortalecer nossa presença como categoria
Felizmente, Pernambuco é também
um estado onde a resistência vive e onde temos espaços coletivos que possibilitam
o engajamento e a incidência política da Psicologia:
- CREPOP/CRP-02 –
que produz referências técnicas voltadas às políticas públicas e atua de
forma comprometida com a ética e os direitos.
- Comissão de Gestão de risco Emergências e
Desastres – que discute ações formativas, protocolos e
formas éticas de cuidado em desastres, muitas vezes em articulação com
outros coletivos. A própria comissão de Diretos humanos .
- Fórum de Entidades da Psicologia em Pernambuco –
espaço de debate sobre a profissão em diálogo com a sociedade.
- Conselhos de Direitos (como o CMDCA, o CEDHPE,
entre outros) – onde é possível atuar diretamente na
formulação de políticas públicas.
- Coletivos populares e organizações históricas,
como o Instituto PAPAI, GAJOP, Centro Dom Helder Câmara, CPT, MTST-PE,
Fórum Popular de Segurança Pública, Rede Transvida, movimentos de luta por
moradia, coletivos antirracistas e anticapacitistas.
Esses são espaços que nos
desafiam a sair do consultório, da sala de aula, do atendimento isolado e ir para
o chão onde os direitos estão sendo disputados e violados .
Psicologia viva, política e comprometida
Concluo essa fala reafirmando que
o compromisso com os direitos humanos não é um acessório da nossa formação é
o seu fundamento.
Psicologia sem direitos humanos é apenas técnica sem alma.
Psicologia com direitos humanos é prática encarnada no mundo real, onde a vida
pulsa, sangra, resiste e sonha.
Desejo que a nossa presença, como
psicólogas e psicólogos em Pernambuco, continue sendo uma presença viva,
implicada, com coragem ética e com ternura política.
Muito obrigada.