Fala da Jornada Clinica CRP PE 01\08\2025 Direitos Humanos em Pernambuco: Desafios e compromissos da Psicologia

 

Boa noite  a todas, todos e todes.

Me chamo Maria da Conceição Correia Pereira ( Concita)  sou psicóloga e venho, nos últimos anos, atuando em Pernambuco na interface entre a Psicologia da Aviação, a Gestão Integral do Risco, as Emergências e os Desastres psicologia Clinica infanto juvenil e de envelhecimento. E´ no campo da Gestão do Risco integral e da emergência e desastres que observa-se  como marcado por desigualdades, sofrimento coletivo e ausência de decisões  públicas eficazes que fui percebendo o quanto o direito à vida digna é, muitas vezes, o primeiro a ser violado quando ocorre um desastre, seja ele ambiental, social ou de outras ordens

 Em todas essas situações, o que está em jogo não é apenas a resposta técnica, mas a garantia de direitos: o direito ao cuidado, ao luto respeitado, à saúde física e mental, à moradia segurança  à informação adequada, à reparação e à escuta.
Por isso, hoje, ao falar de Direitos Humanos em solo  Pernambucano, me coloco não apenas como profissional, mas como alguém que carrega na prática cotidiana o compromisso ético- político da Psicologia com a defesa da dignidade humana.

Pernambuco tem sido, ao longo dos anos, um território de grandes lutas e também de grandes contradições. Relembro aqui o desastre de Jardim Monte Verde, em 2005, que revelou a vulnerabilidade estrutural de várias comunidades do Recife. Em 2010, as chuvas devastaram a Zona da Mata Sul e o Agreste, deixando um rastro de perdas materiais e humanas. E mais recentemente, em 2022, a região metropolitana do Recife voltou a ser palco de mortes anunciadas pela falta de ação do poder público e pela omissão histórica do Estado.

A Psicologia esteve presente nesses contextos, muitas vezes de forma voluntária, muitas vezes sem o apoio das políticas públicas. Estivemos ali, porque entendemos que o sofrimento humano não pode ser medicalizado nem silenciado  ele precisa ser escutado, acolhido e, acima de tudo, compreendido como um fenômeno que exige posicionamento.

A problemática dos direitos humanos em Pernambuco

Falar de Direitos Humanos no nosso estado é, antes de tudo, olhar para a profunda desigualdade estrutural que marca o acesso à cidade, à justiça, à educação, à saúde, à terra, à água e ao trabalho digno.

Em Pernambuco, os direitos são frequentemente seletivos. As populações negras, periféricas, LGBTQIAPN+, indígenas, ribeirinhas, pessoas com deficiência e mulheres e crianças seguem sendo alvo de violações sistemáticas. O racismo ambiental, por exemplo, se manifesta de forma evidente  quando áreas de morro ou de alagamento seguem sendo ocupadas por falta de alternativas habitacionais  e a morte se torna uma probabilidade cotidiana.

Nesse contexto, a Psicologia não pode se calar. Somos chamados a intervir em múltiplos espaços: da clínica ao CRAS, da escola ao sistema prisional, da universidade à rua  e em todos esses lugares precisamos afirmar o compromisso da nossa ciência e profissão com os direitos humanos.

 

 Os desafios enfrentados pela categoria profissional da Psicologia

Mas como manter esse compromisso em meio a tantas contradições?

Nós, profissionais da Psicologia em Pernambuco, enfrentamos uma série de desafios:

  • Contratos de trabalho precarizados
  • Ausência de políticas públicas estruturadas para atuação em emergências
  • Sobrecarga emocional em situações de calamidade
  • Falta de formação específica continuada em direitos humanos e interseccionalidade
  • Invisibilização do nosso trabalho em políticas públicas, especialmente em saúde mental

Além disso, há um risco recorrente de redução da nossa atuação a uma técnica despolitizada, descolada do contexto, como se fosse possível escutar sem se implicar, acolher sem compreender as estruturas de violência, ou cuidar sem questionar o que produz o sofrimento.

 Psicologia não é prática isolada: é projeto ético e científico de compromisso com os direitos humanos

A Psicologia em Pernambuco precisa afirmar cada vez mais  que nossa prática não é neutra, não é isolada e não pode se limitar ao individual. Não há cuidado real que se faça sem olhar para os determinantes sociais, sem escutar a comunidade, sem se colocar em diálogo com os movimentos sociais e com os territórios.

Não basta sermos boas técnicas ou bons clínicos: é preciso perguntar para quem, com quem e a serviço de quê estamos atuando.

E é aqui que se torna essencial reafirmar: os direitos humanos não são um “tema a mais” na Psicologia. Eles são a estrutura sobre a qual a nossa ciência precisa se erguer.

Seja na Psicologia Clínica, Social, Escolar, Organizacional, Comunitária, Ambiental ou nos contextos de emergência, todas as psicologias existentes devem ter o compromisso com os direitos humanos como eixo central.

Como ciência, precisamos construir evidências que revelem as estruturas que adoecem.
Como prática, precisamos atuar com escuta, com presença e com engajamento nos territórios.
Como categoria profissional, precisamos ampliar nossa voz nos espaços de controle social e de formulação de políticas públicas.

 Caminhos possíveis de engajamento: onde fortalecer nossa presença como categoria

Felizmente, Pernambuco é também um estado onde a resistência vive  e onde temos espaços coletivos que possibilitam o engajamento e a incidência política da Psicologia:

  • CREPOP/CRP-02 – que produz referências técnicas voltadas às políticas públicas e atua de forma comprometida com a ética e os direitos.
  • Comissão de Gestão de risco Emergências e Desastres – que discute ações formativas, protocolos e formas éticas de cuidado em desastres, muitas vezes em articulação com outros coletivos. A própria comissão de Diretos humanos .
  • Fórum de Entidades da Psicologia em Pernambuco – espaço de debate sobre a profissão em diálogo com a sociedade.
  • Conselhos de Direitos (como o CMDCA, o CEDHPE, entre outros) – onde é possível atuar diretamente na formulação de políticas públicas.
  • Coletivos populares e organizações históricas, como o Instituto PAPAI, GAJOP, Centro Dom Helder Câmara, CPT, MTST-PE, Fórum Popular de Segurança Pública, Rede Transvida, movimentos de luta por moradia, coletivos antirracistas e anticapacitistas.

Esses são espaços que nos desafiam a sair do consultório, da sala de aula, do atendimento isolado e ir para o chão onde os direitos estão sendo disputados e violados . Psicologia viva, política e comprometida

Concluo essa fala reafirmando que o compromisso com os direitos humanos não é um acessório da nossa formação é o seu fundamento.
Psicologia sem direitos humanos é apenas técnica sem alma.
Psicologia com direitos humanos é prática encarnada no mundo real, onde a vida pulsa, sangra, resiste e sonha.

Desejo que a nossa presença, como psicólogas e psicólogos em Pernambuco, continue sendo uma presença viva, implicada, com coragem ética e com ternura política.

Muito obrigada.