Qual o lugar do Erro da Aviação ?

QUAL O LUGAR DO ERRO NA AVIAÇÃO?

Tolerância – Redução – Contenção
Texto publicado na revista DÉDALO 2008 -Aviação do Exercito Brasileiro


Historicamente, o conceito que se estabeleceu é que não existe espaço para o erro, no mundo da aviação. No que diz respeito aos estudos relativos ao caminhar do homem nessa atividade, depara-se com uma tradição fundamentada na idéia de que ele deveria ser um super-homem, imune à possibilidade de cometer erros. No entanto, a ciência, por meio dos vários ramos que estudam o comportamento humano, vem mostrando que não há pessoas imunes ao erro. No momento em que ocorre um acidente aeronáutico, não mais se deve analisar a condição humana e seus erros de forma isolada; há que se considerar como os erros se processam, em que circunstâncias ocorrem e de que forma tais circunstâncias podem ser compreendidas. Essa compreensão é necessária para que se possam implantar mudanças que permitam mitigar a ocorrência de erros semelhantes.

Haverá sempre vulnerabilidades nas operações realizadas por um homem. Por mais bem pensados e elaborados que sejam os projetos, treinamentos e capacitações, não há como contemplar de forma inteiramente adequada os fatores que envolvem a condição humana. O que a indústria aeronáutica vem implementando, e deve procurar consolidar cada vez mais, é a idéia de equilíbrio entre os sistemas ditos confiáveis e a condição em que os operadores promovem as compensações nas falhas dos projetos. Não é retirando o homem da operação que se consegue prevenir os erros. James Reason (1997) observa que o erro que leva ao acidente não advém exclusivamente de uma perspectiva pessoal operacional; é resultado de interações de situações imperfeitas do sistema que já estão presentes na organização e que não estão sendo observadas de uma perspectiva apropriada.

Na tendência de analisar os atos inseguros que se configuram no ativo de quem executa as atividades na ponta da linha nas organizações, não são considerados os erros de decisões gerenciais, de supervisões (quando existem), as condições da administração e a má gestão dos recursos disponíveis (humanos, materiais etc.). As organizações nem sempre estão preocupadas em procurar a adequação de suas decisões relativas aos processos organizacionais, ou não estão preparadas para isso. Há necessidade de efetivar cortes de custos e equipamentos, de adotar políticas promocionais, políticas de procedimentos e metas, mas com o devido cuidado de manter o gerenciamento dos riscos. Deve-se evitar o estabelecimento de condições que possam propiciar cenários para o erro humano, ou para erros gerenciais que só se revelam posteriormente, a partir da vivência de um incidente (quando reportado e analisado) ou de um acidente.

O que é preciso levar em consideração é que, com a evolução da tecnologia e da indústria aeronáutica, nos últimos anos, o erro humano deve ser pensado de uma nova forma. Hoje, o erro é reconhecido como inevitável, no desempenho humano. Nas novas configurações de sistemas sociotecnológicos, é preciso trabalhar à luz de um conceito de tolerância ao erro e de resistência ao erro. Precisamos ir além do erro, adotando as idéias já dimensionadas sobre o que envolve as condições organizacionais, na perspectiva da segurança em prol da gestão do erro.
Se nos situarmos em reportes e especificações de situações que podem revelar possibilidades de erro, perceberemos que, nos palcos de nossas organizações aeronáuticas, não dispomos de uma cultura que alimente o sistema de informação sobre erros e sobre o que estamos fazendo com eles. Temos, ainda, baixíssimos níveis de reportes e de dados de controle baseados em experiências reais, nas organizações. Não nos detemos, efetivamente, na análise de fenômenos expressos nos comportamentos dos operadores na rotina de trabalho, de forma a encontrar caminhos de gerenciamento efetivo dos erros, com o objetivo de contê-los ou reduzi-los, ou, ainda, de promover medidas destinadas a limitar suas conseqüências adversas, que continuarão a ocorrer.
Isso nos faz pensar que “as análises de acidentes não incluem a perspectiva das condições em que os erros foram revistos e recuperados”. Entretanto, teríamos a possibilidade de gerenciamento da dimensão e do aprendizado somente a partir de observações do comportamento expresso e da forma como a possibilidade de errar está sendo, não só estudada, como também vivenciada na realidade das ações do operador, dos seus gerentes e dos responsáveis pelos comandos das organizações.

Segundo Reason (1997) e Dekker (2002), esta é uma visão atualizada do erro humano: errar como sintoma de problemas interiores no sistema, tanto no humano individual (o operador, o gerente) como no humano coletivo (a organização).


Deveríamos procurar, não somente a explicação das falhas ativas humanas, mas também a compreensão de como se expressam e onde aparecem. Especialmente, deveríamos buscar o entendimento de que as decisões humanas, na configuração de suas falhas ativas, mesmo daquelas consideradas “absurdas”[1], no instante em que foram executadas e em sua condição de atividade de ação expressa foram pensadas como corretas, por aqueles que as assumiram naquela situação.

A redução do erro inclui medidas destinadas a limitar sua ocorrência. Como isso não acontecerá de forma plenamente bem-sucedida, há necessidade de contenção do erro e de implementar medidas para limitar as conseqüências adversas dos erros que podem continuar a ocorrer. Bert Ruitenberg (2003) aponta algumas dessas medidas:

- Medidas para minimizar o erro e responsabilidade do indivíduo ou equipe;
- medidas para reduzir o erro de particular vulnerabilidade;
- medidas para descobrir, avaliar e, em seguida, eliminar a produção de erros, fatores estes que acontecem dentro do local de trabalho;
- medidas para diagnosticar fatores organizacionais que permitem a geração de erros produzidos dentro do indivíduo e das equipes;
- medidas para aumentar a tolerância ao erro nos locais de trabalho e sistemas; e
- medidas que tornem mais visíveis as condições latentes para aqueles que operam e gerenciam os sistemas.

Talvez um dos grandes problemas que ainda vivenciamos no mundo aeronáutico, especialmente no Brasil e América Latina, é a falta de uma gestão planejada para o erro. Ainda ficamos centrados nas falhas ativas e não buscamos a compreensão do que apresenta o latente daquele incidente ou acidente dentro das organizações. Focamos no pessoal, e não no situacional. Os que operam no local onde acontece a falha ativa tornam-se “os bodes expiatórios”, aqueles que devem ser perseguidos. Falta, especialmente, a sistematização dos erros, e parece que todos os focos de pensar os erros se configuram como se os fatores fossem aleatórios.

Nos processos investigativos de acidentes, a sensação que se tem é de que estamos analisando fatos e de que não contemplamos as condições de interação de todos os aspectos pertinentes a um processo que revela uma atuação humana. Nesses aspectos, vislumbram-se fatores humanos, interfaces que passam por dimensões da forma como o homem usa suas habilidades, as quais estão sujeitas ao seu contexto histórico, social e cultural.

Erros configuram-se em diferentes tipos, processam-se em diferentes mecanismos psicológicos e em diferentes segmentos ou partes de uma organização, são produtos e resultados de situações favoráveis ao estabelecimento de condições para sua ocorrência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEKKER, Sidney. Inglaterra: Ashgate Publishing Ltd., 2002.

Human Factors - Orientações para Gestão de Tráfego Aéreo ICAO Doc 9758. Montreal, Canadá.
RUITENBERG, Bert. O erro e a Aviação
MOREL, Christian. Erros radicais e decisões absurdas: uma reflexão sobre a estrutura das decisões. Trad. Monica Baña Alvarez. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
[1] “O inconsciente existe também naqueles não doentes, mas nesses casos ele é muito menos visível e muito menos evidente. Em nossa opinião, a decisão absurda é o equivalente a um eclipse do sol. A situação excepcional do sol é uma oportunidade para observamos sua coroa, impossível de ser vista de qualquer outra forma.” (MOREL, 2003)

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