FATORES HUMANOS OU HUMANOS FATORES

FATORES HUMANOS OU HUMANOS FATORES ?
Maria da Conceição Pereira
Psicóloga
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Acompanhando o desenvolvimento da aviação no mundo, o que se tem observado é o avanço, especialmente no contexto da tecnologia aeronáutica voltada para oferecer condições cada vez mais eficientes, junto aos aparatos artificiais que voam. Rapidez e precisão são dimensionadas na busca do aperfeiçoamento dessa tecnologia e do atendimento às demandas específicas de um mundo regido, essencialmente, pela economia de um mercado globalizado e com exigências rápidas .

Em paralelo está o homem que atua com essa tecnologia. Aquele que hoje tem a incumbência de gerenciar esses aparatos artificiais ultramodernos e em sua condição humana de ser finito, falível e sensível, mostra-se como o componente crítico do sistema aeronáutico, por isso, sobre ele recai toda uma preocupação diante de questões que envolvem a segurança de um vôo.

Nesse contexto, é pertinente reportar-se a uma análise crítica proposta por Dejours, psiquiatra e psicanalista francês, sobre o conceito de fatores humanos dimensionados no meio das ciências técnicas e tecnológicas, a qual se faz presente no meio da comunidade aeronáutica mundial.

O conceito de fatores humanos na aviação emana das ciências tecnológicas e carrega, considerando as críticas de Dejours, um reducionismo e um cientificismo, onde se têm esquecido aspectos éticos e políticos que efetivamente estão relacionados à complexidade humana e que concretamente também dimensionam suas ações e desempenho.

Talvez seja o momento de avançar na possibilidade de rever esse conceito aproveitando um pouco mais do que as ciências humanas e as ciências do trabalho têm oferecido para ampliar essa compreensão, voltada às questões humanas na aviação.

Onde se dá o reducionismo dos Fatores Humanos ?

Esse reducionismo se dá na medida em que essa noção fica estreitamente associada à idéia de erro, falha, falta cometida por operadores dos sistemas, onde os aspectos conceituais que tornam essenciais o respeito da própria condição humana termina por ser percebido dissociado de questões de sua subjetividade, singularidade, a promoção de sua saúde e segurança referentes a estes seres humanos em situação de seu trabalho na aviação.

As máquinas voadoras tornaram –se cada vez mais sofisticadas e automatizadas, e, às vezes, a idéia que passa nesses avanços tecnológicos é a tentativa de se minimizar o erro humano, pensando que afastando ou controlando tecnologicamente o homem, diante de ações mais operacionais/técnicas, junto a sua máquina, garante-se a possibilidade de se evitar os seus possíveis erros.

Verifica-se que existe uma preocupação, no contexto aeronáutico, da busca do controle do erro humano diante de suas ações nas operações aéreas. A preocupação dos estudos vêm focada na contribuição dos fatores humanos, nos processos em que se acredita desenvolver o chamado “erro humano”. A solução estabelecida fica, quase sempre, centrada na capacidade de minimizar e ou controlar os efeitos dessas ocorrências baseada na tecnologia, esquecendo-se a dimensão do humano.

Acredita-se que seja preciso ir além de simplesmente dimensionar desvios, falhas , lapsos , faltas e violações, no contexto da confiabilidade humana.

Até o momento, o homem, enquanto operador, é visto como o menos confiável. Avançando nos conceitos relativos ao humano na aviação, é necessário deter-se mais na perspectiva do homem como agente de ação não programável, de flexibilidade com criatividade, potencialmente aquele que pode atenuar falhas iminentes e assumir situações imprevistas possível diante dos sistemas.

Hora, se hoje a idéia é de um “pensar sistêmico” no mundo aeronáutico, por que, na prática do desenvolvimento de ações pró-ativas, avança-se tanto nos contextos tecnológicos e se caminha tão lentamente diante de práticas administrativas dos recursos humanos desse mesmo sistema?

Volta-se, então, a questionar como Dejours, Fatores Humanos ou Humanos Fatores na aviação?

A compreensão dos fenômenos humanos, em sua essência, no contexto aeronáutico significa também encontrar o entendimento das relações subjetivas existentes dos sujeitos componentes da aviação, inseridos numa dimensão cultural que pode ser geradora de atitudes e comportamentos incompatíveis com a Segurança de Vôo. Daí entende-se o erro como sintoma coletivo do sistema.

Entender os erros humanos como um fenômeno humano é mais que minimizar possibilidades iminentes de errar, é ir além dos Fatores Humanos, é buscar os Humanos Fatores na aviação.
A aviação tem mudado de forma tão veloz quanto seus próprios aviões se modificaram, no que se refere à tecnologia, porém, o homem, fisiologicamente, mantém sua estrutura básica de ser humano nas mesmas condições anteriores a estes avanços. A evolução psicossocial do homem não ocorre na mesma rapidez que as suas próprias criações diante da tecnologia.

Edith Seligmann Silva, cientista brasileiro da condição humana com relação ao trabalho, diz, com muita precisão, que as configurações inesperadas do mundo do trabalho dos tempos de hoje desafiam as capacidades humanas de interpretação e tomadas de decisões participativas nos contextos do trabalho sofisticado, e entende-se a dimensão da aviação de hoje num padrão de sofisticação que vem exigindo daqueles que a fazem uma permanente disponibilidade de lidar e superar imprevistos e incertezas no cotidiano de suas atividades.

Partindo desse pressuposto, avançar tecnologicamente é importante e faz parte da evolução da humanidade, porém não se pode perder de vista que cada avanço tecnológico gera no homem novas formas de comportamentos, novas formas de subjetivação e novas respostas nas suas ações.

As ações pró- ativas que são necessárias, diante das questões humanas na aviação, devem- se concentrar, especialmente, no processo de cuidar desses mesmos seres humanos, no sentido de salvaguardar sua condição psicofísica sócio/ econômico e cultural, para que possam assumir suas vulnerabilidades, manter maior atenção em suas complexidades humanas, diante de suas atividades, como gerentes , pilotos , controladores , mecânicos, comissários e tantos outros seres humanos que fazem a aviação. È preciso encontrar também as condições efetivas numa postura ética e uma política solidária nas organizações em que, concretamente, a Indústria Aeronáutica em todos seus aspectos se coloque efetivamente comprometida com a segurança de vôo e fazendo dela uma prática social em prol do desenvolvimento da humanidade, desta forma:

O caminho se dá avançando dos Fatores Humanos para os Humanos Fatores presente nas atividades aeronáutica.

Este trecho de Saint -Exupéry do livro "Terra dos Homens", deixa uma bela reflexão sobre o avião e sobre a aviação como uma atividade humana. "Sem dúvida, o avião é uma máquina. Mas que instrumento de análise ! Esse instrumento nos permitiu descobrir a verdadeira fisionomia da terra. ...Libertados, desde logo, das servidões queridas , libertados da necessidade das fontes , apontamos a proa para o alvo longínquo. Só então, do alto de nossas trajetórias retilíneas, descobrimos o embasamento essencial, o fundo de rocha, de areia, de sal em que, uma vez ou outra, como um pouco de musgo entre ruínas, a vida ousa florescer.Então, somos transformados em físicos, em biologistas, examinando essas civilizações que enfeitam o fundo dos vales e, às vezes, por milagre, estendem-se como parques onde o clima as favorece. Então, podemos julgar o homem por uma escala cósmica, observando-o através de nossas vigias como se fora através de instrumentos de estudo. Então relemos a nossa história."
É preciso pensar como Exupéry, o avião é um instrumento, nada mais que um instrumento, e que só o homem que o “criou” pode transformá-lo, num sábio instrumento!





2 comentários:

Elson Medeiros disse...

Cara Conceição.
Fiquei muito interessado nos artigos publicados no seu blog.
Também estudo os fatores humanos, mas na industría de perfuração de poços de petroléo. Que anualmente tem centenas de acidentes, não consequindo diminuir suas ocorrências nem também diminuir o número de mortes provocadas nas suas atividades.
Assim gostaria que publicasse sites que fonecessem bibliografias, assim como locais onde existam cursos voltados para o assunto.

Roberto Vicente Janczura disse...

Cara CONCE
Muito bom o teu material a respeito de fatores humanos, Sou aeronáuta e milito na área de prevenção de acidentes e penso o seguinte sobre a automação na aviação e a segurança de voo:
A automação na aviação intensificou-se no final da década de 1980. Muitos acidentes ocorreram por conta disso, mas outros tantos (que não aparecem nas estatísticas) foram evitados, exatamente pelo uso de sofisticadas peças e sistemas – frutos da tecnologia moderna.
Todas essas peças tornaram-se indispensáveis frente ao crescente numero do aviões disputando o mesmo espaço físico,e , mormente numa atividade onde a segurança deve, ou deveria, estar acima de tudo, inclusive do lucro. Apenas uma “peça” não acompanhou essa evolução: o homem; peça principal na prevenção de acidentes.
Seja na automação embarcada – capaz de mitigar um erro de pilotagem, seja em terra, no console do radar da torre – capaz de avisar uma iminente colisão, está o homem. Essa “peça”capaz de notar um mau funcionamento na automação a tempo de evitar um acidente; só é capaz de fazê-lo se tiver recebido treinamento, em qualidade e quantidade, adequandos.
Os empresários do setor deveriam se convencer de que, em detrimento de uma parcela de seus lucros, dever-se-ia investir mais no treinamento desse homem. O fruto disso seria mais segurança e menos acidentes.
A automação já salvou mais vidas do que ceifou. Numa atividade, fruto, cada vez mais, da tecnologia moderna e permeada pela ação do homem precisa, portanto, dispensar mais atenção ao que em aviação chamamos de fatores humanos.